Deito-me e aconchego-me sobre as mesmas histórias
os mesmos papéis e linhas de anos a fio
a pele já resfria de estar assente sobre tantas memórias
cai a noite e com ela a multidão sucumbiu.

Ainda se sente o rasto das últimas silhuetas
ainda se sente o rasto do último cigarro
a tinta ainda está bem presente nas pracetas
a chuva começa a verter nas beiras do telhado.

A calçada delimita o meu espaço
a uma vida à qual tive de me moldar
no rosto tenho cravado cada traço
da desilusão que espelha no meu olhar.

O sol nasce, um novo dia se avizinha
a opressão continua bem latente nos rostos fechados
a alegria transparece em quem já pouco tinha
há valores que se transmitem, não podem ser pagos.





Assisto ao ciclo natural
ao qual não podemos fugir
decisões que culminaram num desenlace crucial
situações nas quais não podemos intervir.

Caminhamos sobre um plano inclinado
quanto mais nos distanciamos maior o cerco aperta
a poeira que pisamos é a mesma que nos gerou no passado
quanto mais recuamos mais longe estamos da meta.

Estamos a afogar-nos num poço de loucura
vale tudo para camuflarmos a nossa ânsia de paz
sufocamos com o ódio que em nós perdura
gritamos de pulso firme, mas o nosso eco torna-se incapaz.

Derramamos sangue que se desdobra em lágrimas afiadas
despertamos o pior, ofuscando o melhor que há em nós
enquanto o preconceito sobressair viveremos de costas voltadas
rodeados por multidões, mas no fundo sentindo-nos sós.





As horas vão passando e os dias sucedem-se
tudo está estagnado só os anos vão chegando
dia após dia os acontecimentos repetem-se
a porta continua encostada e as memórias vão entrando.

A chuva vai caindo lá fora, escondendo os raios de sol
ao longe parte mais uma embarcação para norte
a noite cai e as águas agitam-se junto ao farol
iluminando o caminho dos que se lançam à sorte.

O meu corpo está aqui, mas a minha mente distante
talvez bem longe e perdida, ou talvez não
um segundo bastava, um segundo era o bastante
para te encarar nos olhos e te mostrar que ainda há uma razão.

Agora nada me parece sensato, nada é real
tudo está tão errado neste caminho que sigo
querer-te por perto passou a ser usual
talvez tudo passe por um futuro contigo.



Sem avisos, por vezes chegamos ao fim da estrada
procuramos apenas que o amanhã nos estenda a mão
aí somos presenteados com uma nova jornada
uma nova chance de sermos levados pelo nosso coração.

Quanto mais nos tentamos distanciar do passado
mais deixamos de viver cada dia do presente
tropeçamos na saudade em vez de deixar o orgulho de lado
fugimos do que sentimos batendo com a porta de repente.

Apagamos uma chama que nunca acendeu
bebemos de um sentimento que nunca existiu
queimamos o último cigarro que nunca ardeu
alimentamos um sentimento que nunca surgiu.

Formamos discursos carregados de frases fúteis
quando apenas queríamos que escutassem o nosso interior
gastamos tempo e mais tempo com palavras inúteis
quando ninguém parece entender a linguagem do amor.


Sem margem segues uma direcção que tu mesma traçaste
convicta que nada nem ninguém te fará olhar para trás
a mesma serenidade e paixão com que sempre encaraste
uma vida que só mais tarde escreverás.

Despes-te de tudo o que é superficial
nos olhos espelha a determinação
abraças esta etapa e sentes o quanto é especial
um minuto na vida de pessoas de bom coração.

Não é amor que falta neste mundo
tudo o que falta resume-se à vontade
amar dura pouco mais que um segundo
o que hoje é mentira, amanhã é verdade.

Há quem consiga sorrir com o olhar
um sorriso tão doce e cativante
é esse mesmo que devemos guardar
quem sabe para tornar este mundo mais interessante.




Perguntas por mim à medida que o tempo vai passando
e nem te apercebes que aqui estou eu
sempre estive, ou melhor vou estando
tentando a cada dia conquistar tudo aquilo que se perdeu.

Vejo a tua imagem embaciada pela janela
as ruas estão geladas e praticamente desertas
entras na avenida e permaneces junto a ela
como se não tivesses a certeza que fizeste as escolhas certas.

Todas as minhas lembranças te mantêm por perto
obra do destino quero eu acreditar
por vezes faz-te navegar no incerto
e deixa-te à deriva neste imenso mar.

Num minuto estás, no outro vais
sem saberes bem qual é o teu lugar
a tempestade já passou, mas permaneces junto ao cais
esperando as respostas que só o tempo te pode dar.